quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Professores despreparados para o método adotado no país comprometem desempenho no Pisa

O desempenho brasileiro abaixo da média no relatório do Programa Internacional de Avaliação de Alunos  passa por um ciclo vicioso em que o sistema educacional adotado no país - o construtivismo - não funciona porque os professores estão despreparados para aplicá-lo com eficiência. É base do construtivismo que professores trabalhem como tutores e ensinem os alunos a 'construírem', organizarem e controlarem o seu conhecimento. Sem o preparo adequado, quem deveria ser o condutor do aprendizado pode tirá-lo dos trilhos.

Para Cláudio Gomide, professor da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP), a desvalorização social do papel do professor reflete em profissionais sem formação inicial e continuada. "Sem um regime de trabalho justo e plano de carreira é impossível que uma instituição mantenha um corpo docente de qualidade apto à função de ensinar”, diz. “Optar por um modelo democrático construtivista requer professores preparados e essa é justamente a carência do Brasil”, afirma Neide Noffs, coordenadora do curso de Psicopedagogia da Faculdade de Educação da PUC-SP. A especialista ainda completa: “É preciso que existam propostas pedagógicas adequadas a cada região. O Brasil é muito grande e não é possível abordar a educação de um ponto de vista único em todos os estados”. 
Embora a posição do Brasil no ranking do Pisa seja insatisfatória, os números indicam uma pequena evolução, se comparados aos dados de 2006. Noffs associa essa melhora a algumas mudanças de legislação que ocorreram nos últimos anos. Ela cita, por exemplo, a recente obrigatoriedade na apresentação de planos curriculares na rede pública municipal. “A fiscalização melhorou, mas é preciso que o país acompanhe de perto essas medidas operacionais”, lembra.   
Para Gomide, o tímido aperfeiçoamento está vinculado ao crescimento da inclusão educacional no Brasil.  “Mais crianças começaram a frequentar a escola e isso melhora o desempenho de modo geral, mas não é suficiente para elevar o nível do setor”, pondera. “Ainda sofremos com a falta de acesso à informação e com o total desconhecimento dos valores que movem cada aluno”, ressalta o especialista ao citar as razões pelas quais os brasileiros são tão mal avaliados em exames internacionais. 
Problema invisível – Segundo o relatório do Pisa, com base na opinião de escolas brasileiras, o uso de álcool e drogas ilícitas, aliado a prática do bullying - palavra inglesa usada para designar o ato de intimidar e atormentar –, é o que mais compromete o rendimento dos alunos brasileiros. O problema é velho conhecido de países ricos, como Estados Unidos e Grã-Bretanha, mas parece comprometer mais a educação por aqui do que em nações desenvolvidas. 
De acordo com os especialistas, há motivos de sobra para tais fatores influenciarem o setor no Brasil. “Faltam psicólogos nas escolas que possam ajudar os alunos e a sociedade a enfrentarem esses problemas. Hoje todas essas questões ficam nos ombros dos professores, que se dividem entre vários colégios para conseguir renda”, lembra Gomide. Noffs concorda com o acadêmico e complementa: “As medidas de penalização em outros países são mais severas. Nos EUA, por exemplo, um aluno de oito anos pode ser preso se for flagrado praticando o bullying. Aqui a gente simplesmente finge que isso não acontece.”

FELIZ ANO NOVO!!!!!!!!!!!!!!!!!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Só e bem acompanhado...

Uma das melhores maneiras de encarar a vida é aprender a ficar só, mesmo em meio a uma multidão. Estranho não. Mas eu as vezes me vejo assim, em meio a uma multidão e só. E considero isto uma virtude, pois assim posso refletir sobre minha vida, sobre tudo e procurar fazer sempre melhor... É um aprendizado duro, pois quase sempre queremos estar no centro das atenções, se o nosso cachorro brinca com outra pessoas já nos causa ciúmes, ficamos felizes, mesmo sem revelar, quando ele estranha os outros, assim pensamos que ele só gosta de nós, este é o nosso egoísmo que disfarçamos e saboreamos intimamente. Viver é mais que ter ou ser, viver é, principalmente respeitar... este é o princípio de tudo, sem respeito não a vida ou sociedade. Que neste Natal aprendamos a respeitar o próximo e, principalmente, aprendamos a respeitar a nós mesmos... este já é um passo muito importante.

FELIZ NATAL A TODOS...

domingo, 19 de dezembro de 2010

Plano Nacional da Educação é encaminhado ao Congresso

O projeto de lei do Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020 foi encaminhado ao Congresso Nacional na manhã desta quarta-feira 15. A solenidade ocorreu no Palácio do Planalto com participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do ministro da Educação, Fernando Haddad, além de representantes da Conferência Nacional de Educação (Conae), responsáveis pela elaboração da nova proposta.
Criado em 1996 para estabelecer os principais objetivos da educação nacional por dez anos, a primeira versão do PNE, que vigorou entre 2001 e 2010, foi marcada pelo excesso de metas. Das 295, menos de 30% foi cumprida até o final deste ano. “O importante é fixar menos metas e fiscalizá-las. Quando se vigia a ação, fica mais fácil adequar os meios às finalidades propostas”, defendeu o pedagogo Dermeval Saviani em entrevista à Carta na Escola (leia a matéria de Fernando Vives). Nesse aspecto, o novo PNE parece ser promissor: são 20 metas e dez diretrizes objetivas que contemplam valorização dos professores, acesso aos ciclos de ensino do infantil ao superior, alfabetização, entre outros.
Outro ponto que diferencia os dois planos trata de financiamento. Quando foi aprovado, o primeiro PNE previa que 7% do PIB brasileiro deveria ir para a educação, mas o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou a proposta. Com a aprovação da Emenda Constitucional 59, no final de 2008, o Presidente da República fica obrigado a destinar um porcentual do PIB à área. O texto enviado ao congresso por Haddad e Lula estipula os mesmos 7%.
Uma vez enviado ao Congresso, o projeto de lei será discutido no próxima administração. A previsão é de aprovação no primeiro semestre de 2011.
Metas e desafios
Cerca de 20% das metas afetam a valorização e formação do corpo docente. Primeiro, o PNE estipula que todos os professores do ensino básico deverão ter ensino superior, sendo metade com formação continuada com pós-graduação. Além do mais, os sistemas de ensino terão de elaborar, num prazo de dois anos, planos de carreira para o magistério.
As metas do PNE são as seguintes:
1.Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos.
2.Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda a população de 6 a 14 anos.
3.Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%, nesta faixa-etária.
4.Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular.
5.Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade.
6.Oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica.
7.Atingir as seguintes médias nacionais para o IDEB até 2021
Anos iniciais do ensino fundamental: 6,0
Anos finais do ensino fundamental: 5,5
Ensino médio: 5,2
8.Elevar a escolaridade média da população de 18 a 24 anos de modo a alcançar mínimo de 12 anos de estudo para a população do campo, da região de menor escolaridade no país e dos 25% mais pobres, bem como igualar a escolaridade média entre negros e não negros, com vistas à redução da desigualdade educacional.
9.Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional.
10.Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos na forma integrada à educação profissional nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.
11.Duplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta,
12.Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta.
13.Elevar a qualidade da educação superior pela ampliação da atuação de mestres e doutores nas instituições de educação superior para 75%, no mínimo, do corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores.
14.Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu por meio das agências oficiais de fomento.
15.Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que todos os professores da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.
16.Formar 50% dos professores da educação básica em nível de pós-graduação lato e stricto sensu, garantir a todos formação continuada em sua área de atuação.
17.Valorizar o magistério público da educação básica a fim de aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente.
18.Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino.
19.Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a nomeação comissionada de diretores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar.
20.Ampliar progressivamente o investimento público em educação até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do produto interno bruto do país.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Jovens, privacidade e a internet


Pesquisa realizada por empresa de segurança da informação mostra que as redes sociais dominam as atividades dos adolescentes na rede
Uma pesquisa desenvolvida pela McAfee, empresa especializada em segurança da informação, analisou o comportamento dos jovens na internet. Com o título A vida secreta dos adolescentes: o comportamento dos jovens na Web, o trabalho indica que navegar nas redes sociais é hoje a principal atividade do público de 13 a 17 anos na rede, com 83% de adeptos. Logo atrás, com 82%, aparecem os programas de mensagem instantânea, como MSN Messenger, seguido por e-mails e compartilhamento de fotos.
O Brasil tem 17 milhões de jovens nessa faixa-etária, sendo que 12,5 milhões afirmam terem acessado a internet nos últimos três meses. Destes, 77% são os chamados heavy users, ou seja, se conectam mais do que seis vezes por semana.
Encomendada à TNS, empresa de pesquisa de mercado, o levantamento deu especial atenção aos riscos que o compartilhamento de informações pode representar aos jovens. O primeiro nome é a identificação mais divulgada pelos usuários (54%), seguido de perto pelo e-mail e pela idade; um quarto deixa visível o nome da escola, 9% o número do telefone de casa, 7% o endereço da residência e 4% o número do CPF, o que pode, segundo os realizadores da pesquisa, facilitar ações de ameaça virtual.
Bullying e segurança na rede
Quando perguntados sobre segurança no ambiente virtual, 72% disseram conhecer alguém próximo que tenha sofrido ciberbullying, agressão e intimidação online realizada por outros jovens, principalmente do ambiente escolar. Já 20% tiveram suas senhas roubadas pelo menos uma vez e 50% tiveram seus computadores afetados por vírus.
A relação com os pais também foi abordada. Dos adolescentes, 54% disseram que são questionados pelos responsáveis a respeito dos sites visitados, sendo que metade realizou acordos com os pais sobre o que é permitido acessar na internet. Apesar da grande maioria (88%) afirmar que os adultos acreditam que eles usam a Web corretamente, 39% não revelam o que fazem na internet. Além do mais, 32% tem como costume limpar o histórico do navegador e 39% minimizam o conteúdo acessado toda vez que um adulto se aproxima.
A pesquisa amostral foi realizada, por meio de formulário online, com 400 jovens com idade entre 13 e 17 anos que se conectam pelo menos uma vez por semana.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A solidão do(a) professor(a) de ensino básico - Por: Rudá Ricci

O mais comentado e-mail entre educadores de Minas Gerais é a carta que a professora Áurea Regina Damasceno enviou à Secretária de Educação de Belo Horizonte. É um depoimento dramático e cru sobre o cotidiano das salas de aula, desde sempre desconsiderado pelos gestores da educação de nosso país.

Os gestores caminham, com raras exceções, na contramão, confrontando a realidade e penalizando professores. A última invenção, totalmente sem sentido, é a introdução da premiação (ou certificação) para professores que possuem turmas com bom desempenho escolar. Somente quem desconhece a realidade educacional do país poderia elaborar algo tão sem sentido.

Mas a carta da professora Áurea fala mais alto. A carta inicia com uma justificativa até certo ponto simplória: “Que me desculpem todos vocês, mas a realidade não pode ser desconsiderada! Não dá mais para entrar no jogo do "ensaio sobre a cegueira"!”. Daí, passa a relatar um cenário de horror que, infelizmente, faz coro com a realidade de tantas outras escolas brasileiras e parece reproduzir o roteiro do filme “Entre Muros da Escola”.

Reproduzo algumas passagens:

“Hoje, dia 19 de março de 2009, vou mais um dia para a escola, desanimada e certa de que as aulas que preparei para os alunos do 3º ciclo, 1º turno, não serão dadas. Mas busco entusiasmo não sei onde, entro para a sala de aula (sala 10, 6ª série) e inicio repetindo o que tenho falado com os alunos desde o primeiro dia de aula: coloquem o caderno, a agenda, o lápis, caneta, borracha, régua, tesoura sobre a mesa e guardem a mochila debaixo da carteira ou dependurada no encosto da cadeira (muitos se deitam, durante a aula, na mochila para dormir ou se escondem atrás dela para dar gritos ensurdecedores sem motivo algum ou para atirar bolinhas de papel enfiadas no corpo das canetas esferográficas).”

“Essa atividade demanda mais ou menos uns 20 min., pois metade da sala não ouve ou finge que não ouve, continua a correr pela sala, está virada para trás conversando, está subindo nas bancadas sobre as janelas e de lá pulando de cadeira em cadeira e outros tantos estão a olhar no vazio, sem nada fazer.”

“Pergunto por que estão sem a agenda e sem as folhas, várias respostas: esqueci, meu irmão rasgou, fiz bolinha de papel, fulano (referindo-se a um colega de sala, ou mesmo de outras salas que durante os intervalos invadem como loucos as salas vizinhas, batem, jogam mochilas pelas janelas, rasgam material, andam sobre as carteiras) pegou, rasgou ou fez bolinha de papel, rasguei porque achei que não iria precisar (ah, seria tão fácil se você os colocasse então em duplas para fazerem a atividade, penso eu). Ah! sim, seria, e a responsabilidade e o compromisso ficariam para ser construídos não se sabe quando."

Rudá Ricci - Sociólogo, doutor em Ciências Sociais, integrante do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O vampiro na sala de aula


O sucesso da saga Crepúsculo revela a fascinação que a literatura de vampirismo exerce sobre os jovens; o tema pode ser explorado para iniciar os alunos no mundo dos livros
E m um dos capítulos de Crepúsculo, um dos maiores fenômenos editoriais dos últimos tempos, o vampiro Edward Cullen leva Bella, donzela protagonista, até uma clareira ensolarada, revelando seu verdadeiro aspecto: sua pele resplandece, repleta de pontos cintilantes. É sua maneira de mostrar que, ao contrário de tudo aquilo que se escreveu a respeito, os vampiros se mantêm na sombra apenas para que as pessoas não saibam que são diferentes: não são aniquilados pela luz do sol.
Segundo Ken Gelder, autor de Reading The Vampire, coletânea que procura analisar os elementos culturais que permeiam as narrativas, cada nova história de vampiros, desde o sucesso de Drácula, revisa e contesta alguns elementos das narrativas que a antecederam, buscando assim afirmar sua própria validade. Os vampiros de Anne Rice, por exemplo, ainda dormem em caixões e perecem quando expostos ao sol (assim como o Conde Drácula, do irlandês Bram Stoker), porém ridicularizam o propalado pavor de crucifixos. Por que, afinal, deveriam temer um mero objeto? 
Pode ser revelador observar as retificações e acréscimos que cada uma dessas crônicas vampirescas faz às suas predecessoras: elas podem nos ajudar a traçar um pequeno retrato das transformações do nosso imaginário ocidental.
Século XVIII: caça aos vampiros 
Embora na mitologia seja possível encontrar divindades e demônios bebedores de sangue, as primeiras referências a vampiros, tais como os conhecemos, remontam ao século XVIII. No também chamado Século das Luzes, chega à Europa Ocidental essa figura folclórica das regiões eslavas, dos Bálcãs e da Romênia, por meio da ampla difusão dos casos jurídicos de Peter Pogojovitz e de Anatole Paole, dois camponeses sérvios cujos cadáveres foram exumados por ordem judicial, sob suspeita de que tivessem se tornado vampiros após a morte.  
A partir daí, uma verdadeira histeria de caça aos vampiros começaria precisamente no século¬ do Iluminismo, cujos porta-vozes rejeitavam qualquer dogmatismo ou superstição. Aquilo que poderia parecer paradoxal mostra-se, na verdade, bastante elucidativo. Em A Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer comentam como o “Esclarecimento”, ao tentar submeter toda e qualquer instância do mundo ao signo da razão, acaba instaurando uma relação tensa com o “Outro”.  Muita luz, como se diz, acaba apenas projetando uma sombra escura: a história do esclarecimento é também a história daquilo que a razão rejeitou. Daí porque o Sé¬culo das Luzes foi também o dos vampiros,  particularmente adequados para representar esse “Outro” temível, que unificava tudo o que era considerado inadmissível pela razão: sexualidade desenfreada, instâncias sobrenaturais, morte.
Datam da metade desse século as primeiras referências aos vampiros na Literatura em três poemas de língua alemã: o poema Der Vampyr, de Heinrich August Ossenfelder, em que um homem rejeitado por uma donzela piedosa ameaça visitá-la durante a noite e sugar seu sangue, o poema narrativo Leonore, de Gottfried August Burger, e A Noiva de Corinto, de Goethe, em que uma jovem morta retorna de sua cova para visitar seu amado. Todas essas narrativas já possuíam, em maior ou menor grau, os elementos de erotismo, sedução e necrofilia que se tornariam típicos do gênero. 
Data também do século XVIII, na Inglaterra, o advento do romance gótico, cujos autores mais célebres seriam Horece Walpole e Ann Radcliffe. Embora seus romances não fizessem referência a vampiros, essas narrativas de teor sentimental uniam ingredientes sombrios e sobrenaturais a elementos melodramáticos. Antecipariam, assim, a literatura sobrenatural do nosso tempo. Nessas narrativas, já se revelava uma mescla de anseio e fascínio pela morte, evocada numa atmosfera de mistério e terror. Também num aspecto mais pragmático as nossas narrativas vampirescas foram antecipadas por esse gênero híbrido: o romance gótico tornou-se, até a primeira década do século XIX, um negócio bastante rentável para livreiros e escritores profissionais, ocupados em suprir a demanda de um número crescente de leitores incansáveis. 
Século XIX e Drácula
A partir desse século, com o advento do romantismo, encontros literários com vampiros se tornarão progressivamente mais recorrentes. Na Inglaterra, Samuel Taylor Coliridge, na virada do século, evoca o tema em seu poema inacabado Christabel, seguido por Robert Southey, em Thalaba. Lord Byron, em Giadour, narraria um encontro de seu herói com um vampiro antes ainda que John Polidori publicasse seu The Vampyre, em 1819, considerada a primeira narrativa em prosa a respeito do tema. Em Paris, em 1920, Lord Ruthwen ou Les Vampires, de Cyprien Berard, é publicado anonimamente. No mesmo ano, Le Vampire, peça de Charles Nodier, estreia no Théâtre de la Porte Saint-Martin. Em 1850, na mesma cidade, Alexandre Dumas estrearia O Vampiro, sua última peça.
Seria possível mencionar ainda muitos outros autores de diversos países do mundo ocidental. É, porém, inegável que a obra que consolidou a popularidade dos vampiros na literatura e forneceu as bases sobre a ficção contemporânea a respeito desse personagem foi Drácula, do autor Bram Stoker, publicada em 1897. A maior parte das características que atribuímos aos vampiros foi estabelecida por esse romance: o hábito de dormir em caixões durante o dia e acordar à noite, a extrema vulnerabilidade à luz do sol, a palidez cadavérica, a força descomunal, o pavor de crucifixos e dentes de alho, a capacidade de se transformar em morcegos, entre outras características propagadas. 
O romance, cujo protagonista é o Conde Drácula, inspirado no conde romeno Vlad Tepes III, conhecido como Vlad Dracul, evidencia de maneira bastante precisa o pavor do europeu esclarecido diante do Outro (que pode ser o eslavo, o judeu, o asiático), o temor do bretão colonizador diante da possibilidade de uma descolonização, de uma colonização às avessas, em que estrangeiros não civilizados invadiriam a nobre Inglaterra, ameaçando as conquistas da razão, revertendo o percurso da nascente Revolução Industrial. 
Século XX e Anne Rice
No século XX, a popularidade dos vampiros tornou-se ainda mais generalizada depois que sua figura começou a ser explorada no cinema. Em 1922, o alemão F. W. Murnau filmou Nosferatu, primeira adaptação cinematográfica de Drácula. Na Literatura, floresceram uma infinidade de épicos vampirescos, dentre os quais os mais célebres são as Crônicas Vampirescas, de Anne Rice, que incluem o romance Entrevista com o Vampiro e uma série de outras narrativas sobre o mesmo universo. 
Nos romances de Anne Rice, como em obras de outros autores da mesma época, nota-se uma evidente guinada na maneira como os vampiros são retratados. As histórias não são mais contadas do ponto de vista de um homem que se depara com um vampiro, mas, sim, dos próprios vampiros, fazendo com que o leitor se identifique com essas criaturas sobrenaturais. O vampiro deixa de ser o Outro para ser uma imagem projetada de mim mesmo, mais sedutora e ambivalente. O que encontramos são vampiros humanizados, repletos de conflitos psicológicos, reflexões existenciais e afeições duradouras. 
A sexualidade e o jogo de sedução continuam a ser elementos fundamentais. No entanto, embora os vampiros ainda suscitem sentimentos dúbios, o embate entre atração e repulsa é menos acirrado. Por trás dessa guinada, existe uma transposição espacial e simbólica: a guinada do Velho para o Novo Mundo. 
Em Entrevista com o Vampiro, a autora remete, por meio dos vampiros europeus que migram para a América, Louis e Lestat, à experiência da colonização. No início do livro, os dois vivem juntos numa propriedade escravocrata, que será incendiada pelos escravos revoltados após desvendar a natureza monstruosa de seus senhores. Uma vez que os vampiros são, em princípio, imortais, o romance pode refazer, à sua maneira, a trajetória dos Estados Unidos, do período da colonização até o momento presente, passando por uma temporada de retorno à Europa. Nos romances que se seguem, Lestat se torna, sintomaticamente, líder de uma banda de rock: de criadoras demoníacas e temíveis, os vampiros pós-modernos passam a ícones da cultura pop. 
Século XXI e Crepúsculo
Se for possível dizer que a figura dos vampiros já se encontra um tanto suavizada nos romances de Anne Rice, o que dizer, então, a respeito de Crepúsculo? Os vampiros protagonistas da série frequentam a escola, se alimentam do sangue de animais para evitar o sangue humano, não dormem em caixões, são bons alunos, cumprem suas promessas, podem se expor ao sol e jogam beisebol.  Trata-se fundamentalmente de uma história romântica. O vampiro adolescente Edward Cullen é uma espécie de Romeu contemporâneo. Há ainda um erotismo sutil na história, mas bastante suavizado. A vida dos vampiros é apenas uma versão um pouco mais glamourosa da vida comum. 
Em Entrevista com o Vampiro, o vampiro Louis ainda fala com nostalgia de seu último amanhecer, deixando claro que há um preço relativamente caro a pagar pela imortalidade. No caso dos vampiros de Stephenie Meyer, o preço a pagar parece ínfimo, diante das promessas de beleza sobrenatural e juventude eterna: “Eu os olhava por que seus rostos, tão diferentes, tão iguais, eram todos devastadoramente, inumanamente lindos”, diz Bella Swam, a respeito dos Cullen. “Eram rostos que você nunca espera encontrar além de, talvez, nas páginas editadas de uma revista de moda.” Os vampiros deixam de ser a imagem concretizada de nossos desejos obscuros e temíveis para se tornarem modelos, personificações de nossos ideais de beleza, juventude e até mesmo bom comportamento. Instaura-se uma separação entre vampiros bons e vampiros maus; o terror encontra-se praticamente ausente, substituído por momentos de ação e aventura, evocando as narrativas americanas de super-heróis. O vampiro Edward Cullen, mais do que um sedutor perigoso e carismático, como ainda o era Lestat, de Anne
 Rice, é de um bom- mocismo exemplar: faz questão de se apresentar oficialmente ao pai da virgem Bella como seu namorado, e ao final do primeiro romance leva a moça ao baile de formatura do colegial. Os vampiros finalmente podem sair ao sol: já não representam nenhum perigo para as nossas convenções sociais. Resta saber o que fazer com nossos temores, fetiches e obsessões.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Drogas e adolescência


O psiquiatra e especialista em dependência química Dartiu Xavier alerta para o aumento de consumo de crack e defende uma prevenção na escola menos policialesca
Um estudo inédito sobre o perfil e a quantidade dos usuários de crack no Brasil está sendo preparado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. O mapeamento vai analisar os 26 estados brasileiros, o Distrito Federal e as nove regiões metropolitanas e é reflexo de um grave problema de saúde pública. Embora sejam escassas as pesquisas sobre o crack, sabe-se que o consumo da droga derivada da cocaína (restrito a São Paulo na década de 90) vem se espalhando pelo País em diferentes classes sociais – não se restringe mais aos moradores de rua e grupos menos favorecidos. Além do aumento da apreensão de crack no Brasil (de 200 quilos, em 2002, para 580 quilos, em 2007, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), os serviços de atendimento a dependentes químicos relatam que a droga já é a segunda maior causa de procura por atendimento nos centros do SUS especializados em abuso de álcool e drogas, o Caps-AD. Nesses locais, o crack só perde para a bebida. É uma realidade que o psiquiatra Dartiu Xavier, da Faculdade Paulista de Medicina, conhece bem. Coordenador do Programa de Orientação e Tratamento a Dependentes (Proad) há mais de duas décadas, ele vem realizando estudos na área. Um deles foi interrompido pela polêmica que gerou. A experiência consistiu em acompanhar um grupo de 50 usuários de crack que passaram a utilizar maconha na tentativa de conter o impulso de consumir crack. Conforme os dados, 68% deles haviam trocado de droga depois de seis meses. Passado um ano do início do tratamento, quem fez a substituição deixou também a maconha. Nessa entrevista, Xavier fala sobre os fatores de risco que podem levar adolescentes e jovens a se viciarem em drogas, explica as características do crack e defende a quebra de paradigma dos programas de prevenção às drogas.
Carta na Escola: Em todo o Brasil, houve aumento da procura por serviços de atendimento a dependentes químicos do crack. O número de apreensões também cresceu, o que aponta para o aumento do consumo. O que causou esse aumento?
Dartiu Xavier: A questão do consumo de drogas é multifatorial e, no caso do crack, é um fenômeno que ocorre no mundo todo, não só no Brasil. E tem a ver com os fatores de risco. Alguns são identificáveis: situações de exclusão social e desfavorecimento. Por outro lado, as classes mais abastadas também estão consumindo crack. O que acontece é que mesmo essas classes mais favorecidas têm uma série de problemas. A situação de abandono psicológico e o descaso são algo muito presente. Claro que, para um adolescente de rua, essa situação de abandono é patente.
CE: Os jovens são mais vulneráveis às drogas?
DX:
 São, por uma série de motivos. Primeiro, tanto o adolescente quanto o adulto jovem estão numa fase de transgressão, contestação e experiência pelo novo. Isso marca muito para o bem e para o mal. Ajuda no desenvolvimento psicológico deles – a gente só consegue ser adulto com uma identidade própria quando contesta o modelo de pai e mãe. Existe também a questão da alteração de consciência promovida pela droga, que é um fascínio. Ser outra pessoa ainda que seja por algumas horas. Mas estamos falando de um uso experimental. Uma minoria se tornará dependente.
CE: O que vai fazer um indivíduo ser um usuário ocasional ou dependente?
DX:
 Se esse indivíduo está passando por uma situação de dificuldade, seja psicológica, social ou de saúde, o risco de ele ficar dependente é alto. Se o jovem ficar só na curiosidade, o risco é baixo.
CE: Isso tem a ver com o tipo de droga usada? O Ministério da Saúde lançou a campanha “Crack, Nunca Experimente”. O risco de dependência do crack é mais alto?
DX:
 Sim, o risco de se viciar em crack é muito maior do que de se viciar em cocaí-na, por exemplo. O pó da cocaína é cheirado: entra pela mucosa nasal e pela corrente sanguínea, pelo lado venoso. Faz um trajeto enorme pelo corpo até chegar ao cérebro, que é o lado arterial. Ao passo que, ao fumar crack, a droga vai direto para os alvéolos pulmonares e, em seguida, para o cérebro. É muito mais intenso e, portanto, muito maior o risco de dependência, porque, quando a concentração da droga no organismo atinge um pico muito grande, a queda da concentração que se segue também é grande e abrupta. É assim que a droga desperta a sensação de fissura pela droga.
CE: No caso do sucesso do tratamento, a questão da idade tem influência?
DX:
 Não é exatamente a idade. Com os melhores tratamentos temos uma taxa de 30% de usuários que realmente deixam a droga; 70% não conseguem fazê-lo. Isso nos melhores serviços de tratamento do mundo. Antigamente, estes 70% eram considerados uma taxa de fracasso. Hoje, a gente desenvolveu objetivos intermediários através de estratégia de redução de danos: não consigo fazer com que o usuário largue a droga, mas que passe a assumir comportamentos menos danosos para ele.
CE: O senhor realizou um estudo que gerou polêmica na época, mas obteve -resultados: -que foi substituir o crack pela maconha até a desintoxicação. Esses estudos foram paralisados?
DX:
 Eles não foram formalmente continuados por uma série de problemas políticos, inclusive. Em linhas gerais, era um grupo de dependentes que começou a usar maconha para tentar sair do crack. Era uma terapia de substituição, já que a maconha seria menos danosa. E o que a gente documentou é que 68% deles abandonaram totalmente o crack. Mais surpreendente ainda foi que eles também largaram a maconha. Eles a usaram como uma porta de saída. Para dar continuidade ao estudo, eu precisaria ter um grupo de controle, que fosse submetido ao consumo para poder comparar. Precisaria de uma regulamentação da Anvisa, do Ministério da Saúde. Mas houve uma polêmica em cima disso. E só agora o professor (Elisaldo) Carlini, da Unifesp, está retomando a questão de fundar uma agência medicinal de uso terapêutico da maconha, que já existe no EUA, Canadá, Holanda e vários países da Europa. Mas aqui ainda encontra resistência.
CE: A política de tratamento brasileira se aproxima mais da redução de danos ou do isolamento do dependente?
DX:
 A atual gestão do Ministério da Saúde é totalmente pró-redução de danos, que é o que cientificamente vem se provando mais adequado e eficiente. Mas o que existe ainda é um grupo de pessoas muito arraigado às concepções antigas, que formam uma barreira e fazem resistência forte às diretrizes do Ministério. Embora já se tenha evidência científica de que esse modelo repressivo e carcerário de tratamento não funciona para dependência nenhuma.
CE: Os primeiros relatos de consumo de crack no Brasil datam de 1989. Foi um aumento repentino ou foi dispensada pouca atenção à questão?
DX:
 Sem dúvida, o crack foi subestimado. De 1991 a 1993, houve um boom, mas, na época, se supunha que seria um fenômeno paulistano. Hoje o crack está em todo lugar: no Sul, em Brasília, no interior, no Nordeste. No Recife, a situação é pior do que em São Paulo. O que aconteceu foi que técnicos e profissionais que trabalham com isso ficaram nessa briga que eu comentei, para ver quem detém o saber, e quem sofre com isso é o usuário de drogas. Na década de 90, montei o Projeto Quixote para crianças de rua. São Paulo tem um exército de menores de rua viciados e a pergunta é: o que se faz efetivamente por eles? Essa briga entre autoridade e profissionais é uma coisa ridícula. Sobretudo, porque temos medicina basea-da em evidência e nos estudos de metanálise que comprovam essas teorias. Não é só uma questão de opinião. Existem maneiras de verificar isso cientificamente. Eu acabei de orientar a tese de um aluno da Unifesp, o Francisco Rocha, sobre o uso terapêutico da maconha. Por que fui orientar? Porque ficava essa polêmica. Vamos aplicar toda a metodologia científica disponível e fazer uma revisão sistemática. O uso terapêutico da maconha é bom ou ruim? Se for ruim, a gente engaveta. Se for bom, continuamos pesquisando. E o que a tese mostrou foi que o uso terapêutico da maconha é algo muito promissor. É uma área muito promissora, mas negligenciada por preconceito.
CE: No caso do tratamento para dependentes de crack, qual a causa do sucesso da substituição por maconha?
DX:
 A gente tem apenas hipóteses por enquanto. Para se ter certeza, precisaríamos de mais estudos que a gente não consegue fazer porque não existe uma regulamentação do uso terapêutico da maconha. Estamos atrasadíssimos nisso. O que se supõe é que a compulsão que o dependente tem pela droga se relaciona com os índices de serotonina cerebral. Por algum motivo, as medicações que aumentam a serotonina do cérebro são pouco eficazes na dependência do crack, diferentemente da maconha, que talvez ajude o dependente a segurar a vontade de usar crack. Essa é uma hipótese neuroquímica que explicaria bem, mas ainda é preciso comprovação científica.
CE: O senhor se afastou do estudo do uso terapêutico da maconha?
DX: 
Não é que eu me afastei. Estou fazendo isso em outros níveis. Com ratos e não com humanos, para não esbarrar no questionamento ético.
CE: Por que o crack tem efeitos tão devastadores?
DX: 
Os efeitos são basicamente os mesmos da cocaína, o que altera é a intensidade. Temos de lembrar – e isso é algo que incomoda a gente – que 40% de quem usa crack não se vicia. Da mesma forma, 90% dos usuários de álcool não se tornam alcoolatras. É claro que ninguém recomendaria arriscar. Mas só o fato de existir esse fenômeno intriga muita gente. Por que existem pessoas que conseguem usar uma droga desse potencial e não se tornam dependentes? Há a vertente biológica e a suscetibilidade psicológica. Se eu sou uma pessoa deprimida e uso uma substância que me bota para cima, meu risco é maior. Esse foi o tema da minha tese de doutorado: o quanto a depressão pode ser o gatilho para a dependência de cocaína. Certa vez, eu estava fazendo uma palestra sobre drogas numa escola e discutia aspectos sociais e antropológicos da questão. Existe uma coisa na nossa sociedade que é o hedonismo, o culto ao prazer, à beleza, ao sucesso. Esse é o modelo que transmitimos a nossos filhos. Todos os pais esperam que os filhos sejam ricos, maravilhosos, inteligentes etc. Não é humano, não é real. A vida não é assim. Provoquei a plateia: o único jeito de o jovem sentir o que a gente espera dele é cheirando cocaína! Por incrível que pareça, é exatamente isso que a intoxicação por cocaína te leva a sentir. É a única forma de os filhos atingirem as expectativas dos pais. É claro que isso eu digo de uma forma provocativa e jocosa, mas é para os pais pensarem um pouco o quanto eles estão conversando com os filhos sobre os fracassos e dificuldade deles. E não ficar apenas em um discurso de cobrança eterna. Tanto que a prevenção nas escolas, com palestras aterrorizantes sobre o perigo das drogas, não funciona.
CE: Que tipo de programa de prevenção é eficiente nas escolas?
DX:
 Antes de falar o que funciona, vou dizer o que não funciona. Qual é o efeito dessas palestras? Primeiro, que são frequentemente feitas por pessoas que têm uma visão muito repressiva e vão falar mentiras. O jovem que já experimentou drogas ou tem um amigo que usa não acredita naquilo, pois o que ele ouve não bate com a vivência dele. Aliás, já se comprovou que, para quem não tem informação, esse tipo de palestra pode ser um instigador para usar drogas. Justamente porque você está falando com uma população que tem essa necessidade de transgressão. Na verdade, o paradigma da prevenção passa a mudar quando se abre mão da prevenção policialesca e se parte para uma prevenção na linha da redução de danos. A prevenção deixa de ter esse objetivo utópico de exterminar as drogas do mundo e passa a ter o objetivo de abordar o jovem para, caso este experimente a droga, ele conte com mecanismos de proteção para não se tornar dependente. O foco mais importante não é mais evitar a primeira experiência com droga, mas o uso indevido, a dependência. Como se faz isso? Trabalhando coisas que, aparentemente, não têm nada a ver com droga: autoestima, Autoimagem, relação com o corpo, com sexualidade, com os modelos que adultos representam. Se esse adolescente estiver bem consigo mesmo, ele pode até mesmo experimentar drogas sem que necessariamente ele vá ficar dependente. Quem vai se viciar é que aquele que está se sentindo o mais feio, o mais burro, o que não arruma namorada, e assim por diante. Esses seriam fatores de risco.
CE: Quais são as drogas ilícitas mais usadas pelos jovens?
DX:
 Maconha e solventes, lança-perfume benzina, acetona. Isso foi uma surpresa.
CE: Em relação ao álcool e ao cigarro, damos menos importância a um consumo que também é alto?
DX:
 O cigarro vem diminuindo, o que é um dado positivo. Existe uma conscientização maior da população. Já o consumo do álcool é algo impressionante, que vem subindo. Justamente porque a permissividade é enorme.
CE: O que se sabe da relação do jovem com o álcool?
DX:
 O padrão de uso não é diário, é menos frequente. Mas o usuário-problema é aquele que bebe mais de uma vez por semana. O álcool tem uma ação neurotóxica seriíssima. E, mesmo o uso de álcool apenas nos finais de semana, em grandes quantidades, é sempre preocupante pelos danos envolvidos neste padrão de consumo.