domingo, 27 de março de 2011

Os obstáculos para ser professor


Os obstáculos para ser professor
Apesar do piso nacional, a profissão não é valorizada e é pouco procurada pelos pré-universitários
Entre setembro e outubro de 2009, três estudos foram divulgados com o objetivo de traçar um panorama da situação salarial dos professores da Educação Básica no Brasil. O primeiro deles foi encomendado pela Unesco às pesquisadoras Bernadete Angelina Gatti e Elba Siqueira de Sá Barreto, da Fundação Carlos Chagas. No mesmo mês, um segundo levantamento foi realizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), com foco no pagamento recebido por professores em início de carreira. Já em outubro, o Ministério da Educação (MEC) comparou os vencimentos do magistério público entre 2003 e 2008.
A principal conclusão da pesquisa do MEC foi que houve um aumento do salário médio dos professores da Educação Básica pública. Em 2003, o valor médio era de 994 reais, em comparação aos 1.527 reais obtidos em 2008. Foram utilizados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o estudo, que é separado por estados, no Distrito Federal é onde se paga melhor aos professores, com renda média em 3.360 reais. Na outra ponta da tabela está Pernambuco, onde a média de rendimento é de 982 reais, a mais baixa do País. O valor pago pelo DF está muito acima da média nacional, pese que o segundo colocado, o Rio de Janeiro, paga 2.004 reais em média ao magistério, e o terceiro, o estado de São Paulo, 1.845 reais em média. Entretanto, o estudo revela que, entre os 26 estados e o DF, 16 têm salários abaixo da média nacional. Esses estados estão concentrados nas regiões Norte e Nordeste. Porém, na Região Sul, Santa Catarina (1.366 reais) paga abaixo. No Sudeste, por sua vez, Minas Gerais e Espírito Santo (1.443 e 1.401 reais, respectivamente) estão na mesma situação. As informações se referem a uma jornada semanal de 40 horas.
Para o presidente da CNTE, Roberto Franklin de Leão, os dados do MEC podem ser contestados. “Falar em média é muito complicado, porque os poucos estados que pagam mais puxam o restante para cima”, relata. A pesquisadora Bernadete Gatti faz a mesma crítica: “Em uma classe, se um aluno tira nota zero e o outro nota 10, a média é 5. A média camufla demais a situação”. Roberto de Leão defende que a questão da composição salarial também tem de ser levada em conta. “Há uma diferença entre salário e remuneração. Muitos estados completam os pagamentos com abonos e gratificações.” Segundo o levantamento da CNTE, o salário de início de carreira para um professor com licenciatura plena e que trabalhe 40 horas por semana em Mato Grosso do Sul é de 1.496,25 reais. Porém, com as gratificações, esse valor chega a 2.394 reais. A CNTE afirma que, ao fazer isso, os estados desvalorizam a carreira, uma vez que, em caso de aumento salarial, a promoção incide apenas sobre o vencimento. “Ocorre o risco de um piso salarial transformar-se em teto, o que torna a carreira do docente inviável. Se o professor for, por algum problema, aposentado, também não se incorporam essas gratificações nas aposentadorias”, conclui Roberto de Leão.
Outro problema apontado por Bernadete é que os planos de carreira dos estados e municípios, quando existem, não são atrativos para os profissionais. “Em muitos casos, os planos são simplistas e colocam um valor final muito próximo ao da remuneração inicial”, relata. Nesse sentido, o estudo do MEC conta com uma tabela em que apenas professores com nível superior completo ou incompleto são considerados, numa média de, aproximadamente, 14 anos de escolaridade. Se comparado com os dados fornecidos pela CNTE para profissionais com licenciatura curta, há uma proximidade entre o salário inicial e a média em alguns estados. No Ceará, por exemplo, a média indicada pelo MEC é de 1.249 reais, enquanto a remuneração de início de carreira é de 1.092,27 reais.
Escolaridade aumenta a renda
No relatório Professores do Brasil: Impasses e desafios, Bernadete e Elba ressaltam a heterogeneidade das políticas salariais de docentes no País e as inúmeras variáveis que devem ser levadas em conta para compreender a situação de remuneração desses profissionais. Primeiro, é preciso diferenciar todas as etapas da Educação Básica. Professores que ensinam na educação infantil e Fundamental têm salários menores do que seus colegas de Ensino Médio. Com dados da PNAD 2006, as autoras constataram que a média salarial na Região Sudeste de um professor em atividade na educação infantil é de 809 reais, enquanto, nos anos do Ensino Médio, o valor é de 1.066 reais. Do mesmo modo, no Nordeste, as médias dos ensinos infantil e Fundamental são 390 e 585 reais, respectivamente, e de 1.180 reais no Ensino Médio.
Uma segunda questão a ser levada em conta é a escolaridade dos profissionais. No Ensino Fundamental, docentes com até oito anos de escolaridade, ou seja, os professores que têm apenas o Ensino Médio completo, ganham no Sudeste 429 reais em média. Já a média de profissionais que estudaram de 12 a 14 anos é de 690 reais, valor que sobe para 1.151 para pessoas com até 17 anos de escolaridade. As autoras afirmam que as sucessivas graduações pesam positivamente nos vencimentos, o que indica uma coerência com os planos de carreira.
Por último, o cálculo das medianas permite entender a situação salarial da maioria dos docentes em cada região. A mediana é o ponto em que 50% do total dos entrevistados se situa abaixo de um determinado valor. Por exemplo, a média salarial, segundo a PNAD 2006, de um professor do Ensino Fundamental na Região Norte é de 870 reais, enquanto a mediana é de 750 reais. Isso significa que 50% dos professores dessa região ganham menos que 750 reais. Um profissional na mesma situação na Região Sul tem como média de rendimento 1.018 reais e uma mediana de 850 reais. Para Roberto Franklin de Leão, a avaliação das medianas permite constatar que a grande maioria dos professores da Educação Básica ganha abaixo das médias.
No estudo, as autoras comentam que a complexidade e a heterogeneidade da situação salarial dos professores devem-se, entre outros fatores, à organização descentralizada no que diz respeito a políticas de remuneração no País. “Há no País 5.561 municípios, 26 estados e um Distrito Federal, cada qual com seus sistemas de ensino e regulamentações próprios”, escrevem. Apesar disso, Bernadete Gatti se posiciona contra a centralização das atribuições da educação. “A União deve exercer um papel regulador e complementador. Mas é impossível falar em uma política única para a educação em um país tão diverso como o Brasil.” A pesquisadora lembra que em alguns países com melhores condições de remuneração para professores, como Argentina e Estados Unidos, as políticas salariais também são descentralizadas.
Profissão menos valorizada e procurada
O aumento salarial registrado pelo MEC coloca a carreira do magistério mais bem remunerada em quase 600 reais do que a média dos trabalhadores brasileiros, segundo revelou o jornal O Estado de S. Paulo. Porém, comparada às outras profissões com exigência de nível superior, a média salarial dos docentes é bem inferior. Segundo o estudo de Bernadete e Elba, o rendimento médio mensal de arquitetos é de 2.018 reais, enquanto o do magistério se aproxima de 1.200 reais. O valor pago aos professores também é inferior quando comparado com biólogos (1.791 reais); enfermeiros (1.751 reais) e farmacêuticos (2.212 reais). O cálculo foi realizado para jornadas de 40 horas por semana.
A desvalorização da carreira do docente na Educação Básica é refletida na procura por cursos de Pedagogia e Licenciatura, como Letras e Matemática. “Entre 2001 e 2006, houve um aumento de 97% na oferta de cursos de Pedagogia no País, porém, o número de matriculas aumentou apenas 27%”, explica Bernadete. Para se ter uma ideia, as inscrições para o curso de Pedagogia da Universidade de São Paulo, no campus da capital, caíram de 3.310 na Fuvest 2006 para 1.380 na edição 2009 do vestibular. Para a pesquisadora, os cursos de Licenciatura são pouco valorizados nas universidades e tratados como de menor importância. “Há falta de materiais adequados e o número de aulas exigidas é cada vez menor”. Bernadete afirma que a desvalorização da carreira pelas redes de ensino municipal, estadual e as próprias universidades e a representação do trabalho do professor como vocação, e não uma profissão, são fatores que contribuem para a queda da procura e para os baixos salários.
Piso é discutido no Supremo
Em julho 2008, o presidente Lula sancionou a Lei nº 11.738, que estabeleceu o piso nacional para os professores da rede pública. O vencimento inicial da carreira passou a ser de 950 reais para uma jornada de até 40 horas semanais. A lei também estipulou uma data-limite, 1º de janeiro de 2010, para que todos os estados e municípios se adequassem. Entretanto, em outubro de 2008, os governadores do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e Ceará protocolaram no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, contestando a lei. O primeiro item questionado foi o que diz respeito à composição salarial. Os estados defendem que 950 reais seja o valor para a remuneração, e não para o salário. É o que acontece, segundo os dados da CNTE, em Santa Catarina, onde o vencimento inicial é de 534,46 reais, mas atinge
1.023,24 reais com gratificações.
Em segundo lugar, houve discordância quanto ao item da lei que determina o tempo dedicado às atividades fora de sala de aula, como correção de provas e preparo de aulas. A lei prevê que essa porcentagem seja de um terço das 40 horas por semana. Os ministros do Supremo reconheceram ser necessário um tempo para essas atividades, mas, segundo o entendimento da Corte, cabe a cada estado e município estabelecer essa divisão. O julgamento da liminar permite aos estados completarem o piso com as gratificações até que o mérito seja julgado – ainda não há previsão para o julgamento do mérito.
Segundo Roberto Franklin de Leão, isso abre espaço para que os estados e municípios não se adaptem à lei em 1º de janeiro. Todas as médias de rendimento mensal apresentadas pelo MEC, referentes a 2008, estão acima do valor estipulado para o piso. Entretanto, segundo as remunerações iniciais divulgadas pela CNTE, de setembro de 2009, alguns estados ainda não atingiram o valor. No Ceará, por exemplo, o pagamento de um professor com nível médio é de 739,29 reais, incluindo salário e bonificações. Em Rondônia um professor na mesma situação ganha 851,51 reais.
A questão torna-se mais complexa na esfera municipal. Muitas administrações alegam não ter condições de pagar o novo valor. A lei responsabiliza a União por complementar os orçamentos dos entes que provarem ser incapazes de pagar o piso. Entretanto, os municípios devem atender aos critérios estabelecidos pelo MEC para receber os complementos. “O MEC estabeleceu que 30% da arrecadação fiscal do município seja destinada à manutenção da educação. Não está errado, mas essa porcentagem já inviabiliza alguns municípios. Há locais que não possuem arrecadação própria, e não é porque não há condições de arrecadar, mas simplesmente porque eles não têm políticas de arrecadação”, conclui Roberto de Leão.

O bê-á-bá para conviver com a diversidade sexual


Depois de discutir com uma colega na aula de Educação Física, Alecks- Batista foi abordado dentro dos muros do colégio particular onde estudava pelo pai da menina. “Ele me chamou de bichinha, viado e aidético”, lembra, que na época tinha 16 anos. A diretoria do colégio de classe média alta de Curitiba, no Paraná, não se manifestou sobre a agressão. “E eu me vi ali sozinho.” Hoje com 20 anos, estudante de Ciências Contábeis e gay assumido, Alecks ainda se lembra da sensação de isolamento, das piadinhas e da discriminação praticada pela maioria dos professores e alunos durante o Ensino Médio. Na sua época de escola, Alecks não era convidado para festas ou para jogos de futebol – na maior parte do tempo, circulava acompanhado apenas de amigas mulheres ou com dois outros colegas, também gays.
A situação vivenciada por Alecks não é exceção – investigações realizadas pela Unesco e também pelas ONGs Reprolatina e Pathfinder demonstram que há forte presença da homo-lesbo-transfobia (discriminação contra gays, lésbicas, transexuais e travestis) dentro das escolas brasileiras. Publicada em 2004, a pesquisa da Unesco revelou, por exemplo, que um quarto dos estudantes entrevistados não gostaria de ter um colega homossexual na mesma sala. De acordo com a pesquisa qualitativa realizada pela Reprolatina em 2009 em 11 capitais brasileiras, evasão escolar, tristeza, depressão e até casos de suicídio são observados entre a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) como consequência de um ambiente escolar homofóbico. “O ambiente escolar é em geral hostil para o exercício da diversidade sexual. Os professores não estão preparados e não têm compreensão maior da sexualidade e da homossexualidade”, explica a pesquisadora responsável pelo estudo, Margarita Díaz.
Diante do quadro, o Ministério da Educação, em parceria com entidades ligadas aos direitos LGBTs, produziu um kit de material educativo que será distribuído oficialmente para os professores de 6 mil escolas públicas a partir do segundo semestre deste ano. O projeto – batizado informalmente de “kit anti-homofobia” – é uma das ações do programa federal Escola sem Homofobia. Polêmico, o assunto já vem causando celeuma, principalmente na internet, onde grupos se manifestam acaloradamente a favor e (principalmente) contra o material, chamado de “kit gay” pelos seus opositores.
O kit
Destinado ao Ensino Médio, o kit é composto de caderno, pôster, carta ao gestor da escola, seis boletins (boleshs) e cinco vídeos. “É um material para a promoção dos direitos humanos, com o objetivo de fazer da escola um espaço de todas as pessoas, onde se possa aprender a conviver com a diversidade”, justifica Maria Helena Franco, uma das coordenadoras de criação do kit de material educativo. Considerado peça-chave do kit, o caderno é um livro de 165 páginas, no qual o educador encontra referências teóricas, conceitos e sugestões de atividades e oficinas para se trabalhar o tema da diversidade sexual nas escolas. “O caderno ensina como fazer um projeto político-pedagógico a ser assumido pela escola como um todo sobre esse enfrentamento da violência homofóbica”, conta Maria Helena. Escritos em linguagem jovem e acessível, os boletins seriam distribuídos entre os estudantes e também tratam da temática da diversidade sexual, com jogos, depoimentos e sugestões de filmes.
Entretanto, o objeto de maior polêmica é a parte audiovisual do kit, que inclui três pequenos vídeos produzidos especialmente pela ONG Ecos, que trabalha com o tema desde 1989. Produzidos com diferentes estéticas – teledramaturgia tradicional, animação de fotos e desenhos – os vídeos abordam de forma coloquial temas específicos como lesbianidade, transexualidade e bissexualidade. “São temas muito estigmatizados e pouco compreendidos”, explica Vera Lúcia Simonetti Racy, uma das coordenadoras da criação do kit do material educativo.
Criado por uma equipe multidisciplinar, o kit completo levou cerca de dois anos para ser pesquisado, construído e validado. Apenas o roteiro de um dos filmes, sobre o namoro de duas meninas, demorou oito meses para ser aprovado.
Ousada e polêmica, a proposta do material educativo atende a uma demanda das entidades que lutam pelos direitos LGBTs e também dos educadores – que não encontravam subsídios para trabalhar o tema em aula – além de estar articulada com políticas públicas de combate à homofobia de maneira geral. “O que a gente quer é que o professor esteja atento a essa situação de homofobia. A escola precisa ser um espaço de respeito e de formação cidadã.”, conclui Carlos Laudari, presidente da ONG Pathfinder.
Preconceito velado
Realizada em Manaus, Porto Velho, Recife, Natal, Goiânia, Cuiabá, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba, a pesquisa da Reprolatina procurou investigar qual era o conhecimento e a atitude prática de educadores e alunos a respeito da homofobia nas escolas. Foram entrevistadas 1,4 mil pessoas, desde secretários da Educação até pessoas que fazem parte do cotidiano da escola, como merendeiras e porteiros, passando por diretores, coordenadores, professores e estudantes.
Foi detectado um ambiente altamente homofóbico – resultado semelhante em todas as cidades – uma realidade, porém, em geral negada pela comunidade escolar. Segundo Margarita Díaz, quando perguntados sobre a existência de homofobia na escola, a resposta dos participantes da pesquisa era quase sempre negativa. Entretanto, quando se começava a discutir sobre o que acontecia quando havia a presença de um menino gay ou uma menina lésbica na escola, os relatos mostravam muitas piadas e atitudes potencialmente ofensivas. Tais reações não eram catalogadas como homofobia. “Elas são enxergadas como brincadeiras. Na verdade, essa ‘brincadeira’ é, sim, uma reação homofóbica, mas ela está muito naturalizada”, explica Margarita.
A ausência de aulas sobre educação sexual que contemplem a diversidade também é apontada como um dos fatores que contribuem para a permanência da homofobia nas escolas. Segundo especialistas, a educação sexual disponível para a maioria dos estudantes é essencialmente heteronormativa, ou seja, reproduz um modelo que coloca a heterossexualidade como norma, o que acaba classificando outras manifestações de gênero, amor e sexualidade como desvios. “É uma educação sexual baseada no senso comum da sociedade, e não uma educação sexual antenada com as políticas públicas”, conta Margarita Díaz. Outro ponto percebido durante a pesquisa era o desconhecimento pelos educadores da existência de políticas públicas voltadas ao combate da homofobia.
Evasão escolar
Além de casos de violência física, uma forma quase invísivel de violência nas escolas – que inclui o isolamento, rejeição, brincadeirinhas e piadas – também costuma marcar os jovens homossexuais para a vida toda. “Especialmente na adolescência, a gente quer se enturmar. Quando você é rejeitado pelos seus pares, é um sofrimento horrível”, conta a terapeuta especializada em diversidade sexual e questões de gênero, Edith Modesto, que também é fundadora do Grupo de Pais de Homossexuais (GPH) e do Projeto Purpurina, que atende jovens de 14 a 24 anos. “Eles falam da escola com muita mágoa, lembram da discriminação, do desprezo e da rejeição.”
O quadro é ainda mais grave quando se analisa a situação de estudantes transexuais e travestis. Segundo especialistas, não há espaço para eles na escola. Além de o preconceito ser maior, questões como o uso do nome social na chamada ou até mesmo situações prosaicas como qual banheiro o jovem travesti deve usar pesam e acabam contribuindo para o abandono da escola. “Existe uma porcentagem dos nossos jovens que está sendo socialmente discriminada e forçada a assumir um papel sexual que não é dela”, lamenta Carlos Laudari. “A gente pretende que a escola seja uma escola cidadã, em que o aluno brasileiro aprenda a viver com a diferença.”
“Outro aspecto importante da necessidade de esse tema estar na escola é que certos jovens acabam saindo, porque o sofrimento é tão grande e o ambiente é tão agressivo que a criança ou o adolescente acaba desistindo de estudar. Os índices de evasão escolar são significativos para essa população”, explica Vera Lúcia. Segundo ela, o papel mais importante do kit anti-homofobia é informar e contribuir para erradicar a violência e o preconceito. “Na medida em que você trabalha esse tema na escola e consegue criar uma convivência melhor e mais respeitosa, isso acaba se refletindo nas relações sociais como um todo.”

sábado, 12 de março de 2011

Escola tenta ensinar demais, mas não consegue nem o necessário

Na escola de ensino médio, os conteúdos que todos deveriam aprender são aqueles que são indispensáveis para que o aluno possa aprender todo e qualquer conteúdo. Uma pessoa, na escola e após passar por ela, precisa, além de gostar de conhecer, ter os instrumentos necessários para que possa aprender conteúdos em qualquer área do conhecimento.




Este deveria ser o papel assumido pelo ensino médio. Como hoje os conteúdos são infinitos, mesmo se a escola quiser, ela não consegue ensinar todos os conteúdos do mundo. Mas, se a escola preparar o aluno para aprender conteúdos na hora que ele quiser – e/ou precisar –, para gostar de conhecer, para aprender a fazer, ser e conviver, terá formado cidadãos capazes de obter sucesso no ensino superior, na vida profissional e nas relações sociais.

Acontece que a escola, no Brasil, não está disposta a ensinar apenas os conteúdos básicos e depois educar para que o aluno aprenda a conhecer, a fazer, a ser e a conviver. Nossa escola gosta mesmo é do mais puro conteúdo. E quanto mais sem sentido, melhor.

Tenho um exemplo do último ano do ensino fundamental. Nos tigres asiáticos, por exemplo, um livro de matemática desta série tem menos que 20 tópicos a serem ensinados. No Brasil, a mesma série propõe entre quarenta e sessenta tópicos. Não custa lembrar que os tigres asiáticos apresentam índices muito melhores que o Brasil nas avaliações internacionais de qualidade de ensino.

Ensinamos, ou tentamos ensinar, demais e acabamos atrapalhando que os alunos assimilem o que realmente é necessário. Por excesso de conteúdo, a maioria dos alunos do ensino médio não aprende quase nada e a escola ainda abre mão do tempo em que poderia cumprir sua função de educar.

Nossos alunos, como ilustra 
a série do IG Educação , não conseguem calcular o valor das parcelas do décimo terceiro salário, não resolvem contas com regra de três e não conseguem indicar a função de um texto. Mas os índices dos livros didáticos, as apostilas das grandes redes particulares e muitas aulas pelo Brasil afora querem que consigam resolver complicadas equações matemáticas, que conheçam impecavelmente as normas da gramática normativa, que conheçam os domínios morfoclimáticos brasileiros classificados por Aziz Ab´ Saber e que saibam tudo sobre a Revolução dos Cocos em Papua Nova Guiné, entre outras coisas.

E, por mais paradoxal que pareça, todo professor quer que o aluno acumule a maior carga possível de informações sobre sua matéria. Em geral, professores de humanas não sabem nada de exatas, os de exata não sabem nada de biológicas e os de biologicas acham que humanas é somente "perfumaria". Cada um só quer saber de sua área, mas acham completamente normal querer que os alunos entendam, muito bem, todas as áreas.

O que não se percebe é que o aluno que domina os instrumentos para aprender consegue aprender qualquer conteúdo quando quiser ou quando ele sentir necessidade. É muito mais racional, e mais inteligente, prepará-lo para a autonomia do que tentar "depositar" conhecimento em sua cabeça.
Convido o leitor a conferir o programa proposto para a prova de qualquer vestibular das grandes universidades públicas. Uma leitura atenta vai mostrar que o que é cobrado é impossível de ser ensinado em três anos. Alguns itens do programa são tão abertos que poderíamos dizer que "o céu é o limite" quando preparam uma prova de seleção.
Mas alguns dirão que a educação conteudista dá certo, que tem gente que se esforça e aprende, que alguns até passam em universidades públicas e que isto é meritocracia. Sim, é verdade, a educação conteudista dá certo, mas dá certo para poucos, para uma minoria, e não podemos fazer políticas públicas que privilegiem a minoria da população. A esmagadora maioria tem seus talentos e capacidades podados durante o ensino médio.

Uma análise mais atenta mostra, por exemplo, que a maioria dos alunos que foram para a segunda fase da Fuvest (o maior e mais concorrido vestibular do país) este ano acertou menos da metade da primeira prova. Como os demais, também não aprendem todo o conteúdo desnecessário.

Outros ainda insistirão em dizer que antigamente tudo era diferente, que a escola pública tinha qualidade, que todos que passavam por ela obtinham sucesso escolar. Claro que sim. O fundamental 1 era para poucos, principalmente para as famílias de melhor condição social e residentes nos grandes centros urbanos. Aí, para ir para o fundamental 2, havia exame de admissão. Quem passava pelo exame já se dava bem com este tipo de educação conteudista, por isto adorava e se dedicava à escola. O ensino médio era quase inexistente, e a seleção afunilava ainda mais o processo. Quem passava pelo médio não encontrava muita concorrência no ensino superior. Lembremos, para ilustrar, que a FFLCH, unidade que deu origem à USP (Universidade de São Paulo), tinha mais vagas abertas do que alunos interessados quando foi criada, na década de 30.

País corre o risco de não ter professores para o ensino médio

O ensino médio é, certamente, a etapa de ensino em que o trabalho do professor mais se distancia daquilo que seria o "ideal" como modelo pedagógico. Em geral, no ensino superior, os professores não são capacitados para dar aulas. Mesmo as licenciaturas, que têm como objetivo principal formar para a docência, ensinam as pessoas a serem biólogos, físicos, matemáticos, químicos, gramáticos, entre outras profissões.
Quando estes estudantes universitários viram professores do ensino médio, não possuem nenhuma idéia do que deve ser feito para preparar o aluno a seguir, com relativo sucesso, para o ensino superior. Apenas reproduzem o que aprenderam no ensino superior e o que era o seu ensino médio.

É muito difícil para o professor, mesmo aquele que se rebela contra a situação, seguir por outro caminho. Os conteúdos que estão nos livros escolares, nas apostilas das grandes redes de “deseducação” e nos programas dos vestibulares servem de estímulo para que a escola e a sociedade aceitem a situação de ensinar em suas salas de ensino médio o conteúdo que é necessário aos profissionais destas profissões.

Para o aluno, a situação é incômoda. Precisa, para ser entendido como um bom aluno, entender de conteúdos que são necessários para físicos, geógrafos, gramáticos, matemáticos, biólogos e outras tantas profissões. É importante notar que, na maior parte dos casos, professores de matemática não sabem a que período literário pertence a obra de Gregório de Matos. Professores de português não dominam os efeitos da radioatividade e da reflexão da luz. Professores de física não se lembram o que é um alelo recessivo. Os de biologia sentem dificuldade em compreender como, dobrando a medida de todos os lados de um cubo, chegamos a um objeto com o volume oito vezes maior que o primeiro.

Pois é assim. Cada professor é um especialista em uma matéria, ou área do conhecimento como gostam de dizer, e tem na cabeça um programa que faça de cada aluno um semi-especialista em sua área. O professor sabe pouco de outras áreas, mas acha completamente normal que o aluno tenha que acumular conteúdo de todas elas.

Quanto mais periférica a escola, a situação envolve mais agravantes. Um deles é a falta até mesmo de professores que passaram por uma formação acadêmica equivocada. Em boa parte das escolas temos professores adaptados. Na falta de um professor de história, coloca-se um bacharel em direito. Um matemático acumula as aulas de física. Um enfermeiro assume a cadeira de biologia. No ensino médio é onde mais encontramos esses desvios de função. 

Como o ensino médio conta com alunos com um pouco mais de maturidade e independência, por serem mais velhos, existem mais salas que funcionam no período da noite do que no fundamental. Como os salários são baixos, o professor de ensino médio tem mais oportunidades de acumular, graças às aulas à noite, uma carga de trabalho maior.

Vários docentes desta etapa trabalham pela manhã, tarde e noite. Alguns ficam só nas salas de aula. Outros acumulam a função de professor com alguma outra. Para o professor de ensino médio sobra muito menos tempo para o descanso, para a atualização, para o preparo de aulas, para o lazer e para o ócio.

A falta de professores que estudaram para lecionar no ensino médio e atuam nas escolas deve aumentar nos próximos anos, com a consequente substituição por "adaptados", ou a simples vacância de aulas em algumas matérias.

Mesmo que a mudança de nossa pirâmide etária diminua a cada ano o número de alunos matriculados no ensino médio e que a evasão continue alta, a diminuição das taxas de desemprego faz com que cada vez mais pessoas abandonem a profissão.

Em algumas regiões do País, as taxas de desemprego para pessoas com nível superior estão bem próximas do que chamamos de situação de pleno emprego, que é quando a porcentagem de desempregados só representa a mobilidade das pessoas entre um emprego e outro. Professores ganham, em média, 60% a menos que profissionais com o mesmo tempo de estudo. É natural que muitos migrem para outras profissões e que evitem começar a carreira em sala de aula. 

Mudar a situação exige um trabalho coordenado do governo. Somente salários melhores poderão atrair mais pessoas para a carreira. Se isso não acontecer, o Brasil corre o risco de simplesmente não ter pessoas dispostas a trabalhar nas salas de aula do ensino médio. Os currículos das licenciaturas precisam considerar que estes profissionais vão atuar na capacitação de alunos para seguir no ensino superior, e não para ser uma enciclopédia de conteúdos. E os currículos precisam ser redirecionados. 

Basta da ditadura dos livros didáticos e dos sistemas de ensino. Este ensino, que finge ser educação, na verdade só possibilita o sucesso de uma minoria. A maioria passa por ele sem acumular nada em sua vida. Não é justo que organizemos uma escola que faz com que grande parte dos alunos sinta-se incapaz. Eles não são. A falta de uma função racional para o ensino médio e os erros nas políticas públicas relacionadas a ele fazem com alunos cheguem à idade adulta sem compreender textos, sem conseguir resolver problemas simples de matemática e com dificuldades para atuar de forma cidadã na sociedade.

domingo, 6 de março de 2011

Livros digitais mudarão nosso cérebro?

Desde o aparecimento da plataforma, especialistas discutem a capacidade dela de provocar mudanças na leitura, no aprendizado e na mecânica cerebral

Em 2009, quando a segunda geração do Kindle, o leitor de livros digitais da Amazon, chegou aos Estados Unidos, iniciou-se uma discussão sobre a capacidade de a nova plataforma provocar transformações nos processos de leitura, aprendizado e até mesmo na mecânica cerebral. O jornal americano The New York Times ouviu especialistas ligados à educação provenientes de diferentes áreas a respeito. Algumas ideias apresentadas pareceram pertinentes.
Para Alan Liu, pesquisador da Universidade da Califórnia, os e-books transformariam o ritual da leitura, solitário por excelência, em uma cerimônia coletiva, onde o principal agente transformador é o ambiente. As silenciosas bibliotecas, na visão dele, dariam lugar aos animados cafés, onde os jovens passariam a equilibrar a atenção focal e periférica (na obra que leem e no ambiente ao redor), algo muito difícil até então.
A distração é o principal obstáculo à leitura digital, apontou Sandra Aamodt, ex-editora chefe da revista Nature Neuroscience. Ela questionou a eficiência dos e-readers e destacou: "A leitura em uma tela exige maior esforço por parte do usuário."
Gloria Mark, também da Universidade da Califórnia, foi menos cética. Ela defendeu que o hipertexto, presente os livros digitais, enriquece o processo de aprendizado. Embora reconheça a vantagem de buscar, simultaneamente, informações adicionais na rede enquanto se entrega à leitura nos dispositivos eletrônicos, ela chamou a atenção para a falta de profundidade nesse processo. "Os jovens, quando conectados, alternam suas atividades a cada três minutos", alertou.
Maryanne Wolf, diretora do Centro de Pesquisa em Leitura e Linguagem da Universidade Tufts, fez uma defesa apaixonada da capacidade de adaptação dos jovens aos e-books. Ela explicou que o processo de leitura é baseado em uma arquitetura aberta e que essa característica torna mais flexível a absorção de conteúdo.
Em entrevista a VEJA, no entanto, a especialista ressaltou que nos dispositivos eletrônicos a leitura é mais veloz e, portanto, superficial. "Nesse caso, o circuito formado entre as áreas do cérebro envolvidas na leitura não chega àquela região em que ela seria processada de maneira mais analítica".
Entre os acadêmicos havia também os otimistas. David Gelernter, professor da Universidade de Yale, duvidava que a qualidade da leitura estivesse diretamente vinculada ao suporte em questão. Ele disse que o "meio não é a mensagem" e que a forma como o conhecimento chega ao ser humano é irrelevante. Na concepção de Gelernter, o que importa é a excelência do conteúdo e não o seu intermediário.